quinta-feira, 30 de junho de 2011

Pra dizer Jamais



Querido,
Há espaço para mais uma carta aí? Bem sei que você não tem coragem de se livrar de todos os papéis sentimentais que te mando. Bem sei que você abre cada envelope com o olhar esnobe de quem abre correspondências bancárias mas lá no fundo desse coração infantil que você insiste não ter, lá você suspira e até sonha que eu esteja indo de brinde, no envelope.
Ah amor, eu estou morrendo. Sim, morrendo.
Não faça essa cara, uma hora ou outra isso aconteceria, todos nós estamos morrendo, a cada segundo menos vivos.
Eu quero então pagar meus pecados e os seus, dizendo algumas verdades que não poderei levar comigo, ok? Sente-se e abra a janela, deixe o vento do inverno te esfriar e me puxe pela mão na sua memória.
Eu fui intensamente feliz, sempre. Sinto por você, sinto porque você sempre quis tanto, tudo, mas você que tinha os pés no chão e esse medo de decepcionar aos outros acabou não sendo. Por favor, ainda dá tempo. Sabe, seus pais não têm sinceras pretensões de que você seja o próximo Nobel da Paz, não seja sempre tão certinho.
Eu nunca te disse, mas o primeiro porre é terrível, não beba. Na verdade a gente não precisa disso pra ser feliz.
Nunca falei muita coisa e sinto por isso, sinto porque me percebo morrendo aqui e aí, onde pensei que fosse viver para sempre.
Te deixar foi minha escolha em meio às opções diversas, mas eu realmente acreditei que você viria comigo. Foi um 'solta da minha mão' pedindo pra você apertar mais, doeu pra burro você não ter entendido essa entrelinha.
Agora, eu vou morrer. Não há nada que eu possa fazer ou você, é a vida, ela finda. Não há uma doença terminal, não se preocupe, estou indo sem dor, sem medo.
Eu só queria que você abrisse o peito e a janela todos os dias, que se permitisse amar como nunca nos permitimos, que não temesse o pulo, sofresse a queda, chorasse a solidão e arrebanha-se corações alheios. Não se perde por exceder a velocidade das próprias vontades, pelo contrário amor, perde-se por temer o excesso, ficar parado é para as pedras, gente foi feita pra movimento.
Agora chore a minha ida, porque sinceramente, eu sei que doerá, mas esteja de olhos claros, limpos e abertos, eu vou voltar. Sim, no sentido verdadeiro, literal e real. Eu vou voltar porque morrendo estou desde sempre, desde que nasci.
Morro e morrerei até que de fato meus dias se cumpram. Mas te quero comigo, quero e precisei me assustar com essa verdade pra entender isso, se for pra partir, que a última palavra eu diga aos seus ouvidos.
Vou morrer um dia e sei que nesse dia, e em todos os outros que viverei até lá, sendo amanhã ou daqui a cem anos, eu quero estar com você.
Tem espaço aí? Tem espaço pra uma louca que faz cartas dramáticas e que teve que partir pra descobrir que seu lugar no mundo era o de antes, que ela sempre ocupara.
Eu estou morrendo mas enquanto vivo, preciso de você. Preciso da certeza gostosa de que a cada dia será menos um vivido, mas um a mais aproveitado com você, da melhor maneira possível.


Com o amor mais insano do Universo,
Tay.

Do primeiro Amor dela



Ana Terra era uma adolescente ainda quando viu-se pela primeira vez encantada...
Por teimosia e não timidez, relutou em assumir-se apaixonada. Até que diante do espelho a verdade veio num suspiro sem jeito: que fosse paixão, tudo ou nada. Mas que não fosse conto-de-fada. 

terça-feira, 28 de junho de 2011

Vai sim


'Há muito mais pra eu te mostrar
Não chore não
Não fique triste assim'

Me deixa cuidar de você? Não, eu não estou insinuando que você não saiba se cuidar sozinha, que não seja boa o suficiente e madura pra isso. Eu só quero afagar seu cabelo e dizer que vai passar a dor, o medo, tudo.
Deixa eu esbarrar meu polegar bem levinho no espaço mínimo que a lágrima corre antes de você fazê-la desaparecer, deixa o meu peito dividir o ar com o seu e a gente ficar assim, meio sufocado um tiquinho só.
Não é pra eu ter certeza que você fará isso por mim, eu já tenho. É porque o bem que te quero é tão grande que dói algum nervo não fazer nada, ainda que você me peça isso.
Quero segurar sua mão e te fazer parar, um pouco. Quero fazer cócegas se for preciso pra trazer o sorriso de volta, quero solucionar todos os problemas reais, imaginários, ser a Dulcinéia pra apontar os moinhos e dizer que não são dragões, mas eu te ajudo a enfrentar, ajudo sim.
Faz que sim e permita que eu zele, proteja, abra a sombrinha pra não deixar chover, mesmo a gente precisando de chuva pra fazer crescer.
Meu instinto materno diz que não sigo em frente bem se te vejo mal, não depende de mim, mas pudesse eu levava Sol, terra, sorvete e tudo mais que te faz bem. Te obrigava a sair da cama e te limpava os olhos, escancarava o espelho na sua frente pra você ver o quanto é forte, é linda, é tudo que sempre quis ser e vai continuar sendo. Samambaia de quintal jamais foi sua vocação.
Deixa eu apertar bem firme sua mão e te dizer algo piegas, te chamar por apelido só nosso, dar um meio sorriso e como quem sabe das coisas afirmar que há de ser um dia melhor amanhã. Você está comigo, vai dar tudo certo.

(Ao som de: Não fique Triste Assim - Marisa Monte e Erasmo Carlos)

Do receio que é mais


'Eu tive que fugir
Eu tive que correr
Pra não me entregar'

Sinceramente, eu sou apenas uma menina. De forma alguma eu sei mais que você sobre toda essa confusão interna, eu tenho tanto medo quanto você que desce os olhos.
Garotos perto de uma mulher são só garotos, mas mulheres são tão meninas...
Eu sinto frio nas mãos e minhas pernas tremem. 
Eu sinto tudo. 
Queria ser da matéria dos seus sonhos, aquela fibra forte e bonita, mas sou tão gente. Tão.
Tenho meus dias ruins, a cabeça me dói insuportavelmente, choro quando sinto entupir, o fato de detestar demonstrar fraquezas não indica a ausência delas. Quantas vezes eu calei e você pode ter imaginado tanta coisa... 
Meu silêncio pode parecer misterioso, mas aqui dentro existe um silêncio que vez ou outra é medroso.
Quero sua mão não porque eu não saiba andar sozinha, não porque eu sou mais forte que você ou possa te guiar, quero porque dizem os bons ventos que é assim que se caminha a dois, pulando de mãos dadas.
Fosse fácil pra mim talvez fosse pra você também, pulsa o mesmo sangue e eu começo a acreditar que as mesmas vontades.
Encontro canções durante o dia flutuando na mente, Marisa Monte me traz um cheiro de blusa, e até quando não penso, sei que você estava lá. Pode isso?
Como, como se não deixei nada surgir? Se somos os seres humanos mais racionais do Planeta e agora não quero ter que saber por medo de saber a resposta errada.
Agora me pego esperando e pedindo pra você sentir toda a normalidade existente em mim pra compartilhar comigo a sua e juntos quem sabe tornamos tudo isso simples.
Sem fórmula, sem ter que abrir o peito alheio pra ver brotar lá dentro, talvez de toque de mão se construam coisas inomeáveis e a gente fabrique junto um dicionário.
Talvez eu te queira de um jeito que eu não sei querer ainda e isso me descarrilha o trem, maquinista fazendo o possível e os passageiros, cabeças ao vento nas janelas.
Talvez eu precise que você fique, que diga sim, que me faça dizer.
E mesmo não entendo a gente consiga deixar de sentir falta por medo de sentir mais.


Ao som delicadíssimo de: De Janeiro a Janeiro - Roberta Campos e Nando Reis




terça-feira, 21 de junho de 2011

Da saudade



Lembro como você dizia as palavras e elas soavam como canções. A voz que tinha um tom autoritário e gentil, como quem manda dizendo por favor. Lembro como as coisas mudaram quando você chegou.
Uma amiga diz que sinto muita falta, sinto sim, sua então... Eu sinto toda vez que piso naquele lugar, toda vez que alguém me pergunta se eu chorei no último dia e eu digo que as lágrimas só me vieram quando eu te abracei.
Você não deve entender, quase ninguém entende. Deve ter a ver com meus defeitos de fábrica, sou uma criatura esquisita.
Mas olhar esses seus olhos me faziam um bem! Eles tinham alguma coisa que me deixava sempre perdida, mas segura. Compreende? Era como se a essência fosse mesmo essa, se perder para encontrar caminhos novos, querer buscar o desconhecido... Sem fio de Ariadne, sem medo de Minotauro. Sinto falta de labirintar.
Sinto das conversas que envolviam sonhos, pesadelos, medos e metas, as conversas que eram interrompidas a cada cinco minutos. Sinto uma tremenda falta de te ouvir, de escutar conselhos que você mesma não seguia, de me encantar com você ali na frente desvendando o mundo.
Sinto saudade, que é bem mais que falta, do seu abraço magrelo e tímido, do jeito que você dizia 'Tay' e me chamava a atenção, me mandava focar e parar de fazer tempestade em copo d'água.
Sinto sim, e não é porque sou a pieguice em pessoa, é porque de uma maneira que nem eu entendo, de uma forma que eu sei que não é certa porque você já tem o seu mundo, eu te adotei. Criada já. Eu peguei aquela criatura cheia de certezas firmes e dúvidas caladas, aquela menina de olhar pra cima mas jeitinho de criança olhando pro mar pela primeira vez.
Bem feito pra mim, quem foi que disse que era certo me apegar assim, desse jeito, tanto?
Você bateu asas, você foi viver tudo de lindo que a vida tem pra te oferecer e eu fiquei aqui, com a falta que se faz de chiquérrima pra tentar ocupar o lugar que você ainda está.
E você lendo tudo isso vai pensar, ela é uma novela mexicana mesmo, precisa tudo isso?
Ah amiga, sinto tanta saudade! Eu sei que você está aqui, é muito presente, mesmo com esse mundo de coisas entre as nossas órbitas. Só preciso colocar um pouco dessa coisa que prende o ar pra fora...
E quero muito muito que você saiba que eu acredito no seu poder de voô!
Tanto! O vento pode bater e desestabilizar suas asas delicadas, mas eu sei que você é forte.
Sinto sim, muita falta, mas eu sei que você vai longe ainda, preciso apertar o peito e afrouxar o laço.
Voa, voa...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Tão


"E seus laços são armadilhas
E eu nem sei o que faço
Aqui de palhaço
Seguindo seus passos"

Se eu me prendesse e me permitisse o pulo, você me contaria seus segredos?
Você me deixaria não ser presa fácil dos olhos que de doces prendem, e cativo estou? Você pararia de mover as mãos nesse ritmo seu que rege o mundo?
E me vem no meio da tarde a gargalhada e eu nego, reafirmo a concentração, mas estou em outro lugar, como Bentinho não sabia não se afogar nos olhos de Capitu, eu vou leve, com o peso das palavras que você diz sorrindo.
Quão ridículo soaria pra você saber que eu estou aqui?
Porque existe ainda aquele medo atípico de que talvez você nem queira que eu esteja. Perdi o rumo no caminho e agora as ondas me atingem e mergulho. Toco o fundo ou seria a superfície? Me importa apenas ser parte do oceano que move você.
É demais, eu sei, e o demais te assusta, você que é tão parecida com algo que existe em mim.
Nem sempre entendo e raras vezes me sinto louco por isso, e você me tira certezas e fico preso, cativo, cativado...
Escolha o termo que melhor lhe parecer, ao que me parece já estou assim, verbalizado esperando ser dito por você.

(Ao som verdadeiro de: Garotos II - Leoni)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pra dizer adeus


So take a look at me now
Still there's just an empty space
But to wait for you is all I can do
And that's what I've got to face

De que adiantaria te dizer que eu poderia te seguir em qualquer canto? Você não me ofereceu essa possibilidade. De que serviria abdicar dos sonhos que outros sonharam por mim se sonhar com você nunca foi uma opção? Eu me apaixonei por insanidade própria, e por essa mesma mania de independência tardia eu perdia você.
Era improvável pedir para pertencer àquela realidade dos seus olhos viajantes, tão cheios de um novo que me sufocava e me alimentava, um mar inteiro. Como dizer que sendo eu ainda uma menina queria ir de corpo e alma atrás de um homem, tão convincente, tão ciente de seu poder.
Você era o meu professor. O que me conduzia em uma dança por carinho e reciprocidade, uma forma de agradecer pela dedicação durante o ano letivo ou ainda pela organização da festa. Eu não era nada além da menina que sabia todas as respostas, da que decorara cada trecho do livro. A menina que recebera o diploma das suas mãos segundos atrás. 
Podia me lembrar tão perfeitamente dos seus olhos vagando ao dizer que Alice perseguia um coelho que estava dentro dela mesma. Eu estava ali, tão cansada de perseguir coelhos internos, tão afoita por externar tudo aquilo, ainda que alegoricamente, mas você não notara.
Não notara que a máscara pedia que fosse retirada, o coelho estava cansado de percorrer campos vazios atrás de ideais.
Houvesse uma figura de pensamento perfeita eu desenharia e te diria que o meu pensamento figurava longe dali, no novo estado, na nova escola, no novo mundo para o qual você partiria.
Mas haveria um modo das coisas não serem como eram? Haviam pessoas ao redor, regras a cumprirem, protocolos a serem preenchidos e poemas para serem ensinados para outras garotas, que suspirantes decorariam e sonhariam o mesmo que eu agora, torcendo para a música nunca terminar e não ter que deixar de ser conduzida por você.
E agora que você se afasta aos poucos e eu sorrio forçadamente, gostaria de gritar para que você não se afastasse, que você me permitisse aprender dia a dia com você, que me fizesse ver além.
Além do que as pessoas dizem ser um primeiro amor tolo e típico de adolescente por um professor. Além do que as lágrimas que quero secar rapidamente me atrapalham a enxergar. Além de todas as histórias de livros estudados e ainda nem escritos.
Eu só queria que fosse possível e real viver um amor daqueles.
Com você.



Ao som de: Against All Odds (Take me look at now) - Emerson Nogueira
Tradução da música: Então olhe pra mim agora/ Porque somente existe esse espaço vazio/ Mas esperar por você é tudo que posso fazer/ E isso é o que tenho que encarar.

domingo, 12 de junho de 2011

Regra geral


"O Amor 
Não sabe esperar"

Ter namorado é fazer uma escolha diária, das mais difíceis da vida. Aquela escolha entre estar sozinho, acomodado, feliz e tranquilo com seus defeitos de estimação ou tentar enfiar todos eles, um por um em uma caixa pequena e ver o outro olhar de relance quando um deles escapulir.
Se relacionar por si já é o desafio, ainda mais assim, mãos juntas desafiando o que tiver pela frente. Tem coisa que só se pode fazer com outra mão te empurrando pra frente.
Ter namorado é pra quem bate no peito e tem coragem de dar a cara a tapa. Dar o braço a torcer, dar com a língua nos dentes. 
É pra quem sabe ser feliz sozinho, mas entende a doce felicidade de ser acompanhado.
Fácil não é. Não mesmo! Coisa fácil é não ter nada nem ninguém, não dá trabalho, não exige sacrifício, não exige passar por cima de vontades, de palavras ouvidas do outro. Quem não tem namorado não sofre. Não sente frio na barriga ao ouvir o telefone tocar, não se arrepende de algo dito ou calado, não lembra quando ouve canção, vê filme ou esbarra com um hidrante de vermelho berrante, como os corações defeituosos que as meninas desenham nos cadernos da infância.
Quando a gente não tem namorado tem um ar de independência como quem diz: 'me deixa que sei bem o que estou fazendo'. Que saiba mesmo, porque se tiver um tiquinho que seja de dúvida aí, deixa de ser turrona e corre atrás que tempo é material preciso e raro.
Orgulho não cabe em relação, devia ser proibido. Deviam os seres humanos olhar mais nos olhos e dizer o quanto se importam. O que me importa? Não cabe, é canção que mente, porque quem não se importa não precisa dizer, não lembra.
Drummond dizia que pra se ter namorado é necessário enlou-crescer. Eu arrisco que é preciso tirar os pés e deixar a correnteza levar. Uma hora chega no mar.
E quando chegar, quando as ondas te jogarem pra baixo e a areia e o sal deixarem seus olhos aredendo pense apenas que existe muita coisa boa. Tanta que vale a pena.
Sempre vale.

(Ao som de: O Amor não sabe Esperar - Marisa Monte e Os Paralamas do Sucesso)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Da metáfora que se parte


"Pelas esquinas de olhares indiscretos
O nosso amor quebrou feito objeto"

É que vieram crises e você não estava pronta para elas. Eu fiz muitas promessas e de consciência tranquila olho para os objetos que você com tanto cuidado escolheu para decorar o nosso lar. Nunca gostei da sobriedade imposta por você com tantos tons de marrom, mas era para ter o seu toque, hoje todo esse marrom me faz lembrar uma proteção de tela típica dos Estados Unidos, todas aquelas folhas caídas no chão, sem vida.
Eu queria cor, pedi demais.
Não estou aqui culpando o seu perfeccionismo ou a sua mania de organização, não estou culpando as noites em claro que passei tentando entender porque era tão simples para mim e tão complexo para você. A culpa é minha por ter acreditado demais, investido demais, amado demais.
A culpa é toda minha e não é o desamor que me corrói, é ela. Ela me faz sofrer porque eu quis tanto que fôssemos o casal do século, eu quis tanto que você fosse minha princesa, minha rainha, meu porto de paz. Eu só quis você. Isso faria algum mal, uma hora ou outra.
E você saiu pela porta da frente, sem bater ou deixar cair uma lágrima, você saiu tão segura que eu não pude ficar esperando você voltar, eu vi nos seus olhos que não havia volta. 
Hoje eu vejo nesses objetos milimetricamente colocados sobre a mesinha de centro, eu enxergo o seu reflexo turvo me dizendo que eu não sei o que quero da vida, que devia ter mais pretensões, devia ter ambições. Pra quê?
Eu as tinha, eram tão óbvias. Tinha a ver com filhos e um cachorro correndo, não tinham a ver com você enfurnada na cozinha nos alimentando. Eu sempre quis o seu crescimento, não seja falsa consigo mesma.
Mas eu sonhei e sonhos simples não movem o seu coração construído com a revolução industrial. Você sempre precisou de mais que ventos para mover o seu moinho, algo como eletricidade ou energia nuclear, talvez.
E agora eu tenho rompantes de quebrar tudo isso, de pichar os seus quadros sóbrios, de perfurar suas almofadas e redecorar todo o ambiente.
Quantas mil vezes você me disse que era pra sempre? Não foi.
E não fui eu quem matou ou destruiu, sinto muito por ter que te dizer a verdade dessa vez.
Você acabou com tudo que era realmente sólido, aliás, talvez nunca tenha existido algo sólido. Talvez todos esses tons opacos indiquem que éramos fadados ao fracasso, desde o princípio. Eu tão desantento não notei que nunca estive mesmo com você. Nunca notei que os sonhos de família eram meus, os seus eu não sei bem quais são, até hoje.
Quando você saiu inundando tudo de outono eu me senti tão mal, tão triste por ver acabar assim a nossa história. Mas hoje eu enxergo que havia um mínimo de dignidade na sua atitude, você me libertava. Obrigada por me mostrar que pode-se redecorar uma vida.
Quero que venha alguém disposto a pintar paredes de azul, vermelho ou roxo, quero que venha alguém que não se importe se elas não estiverem pintadas. Alguém que me chame de bobo por acordar em meio da noite apenas para olhá-la, porque eu nasci esse tipo de pessoa, sonho acordado.
E quero que você não volte para buscar nada, esqueça que construímos uma casa de joão-de-barro. Olhe o céu e tente ser canarinho, tente cantar sem saber a melodia e colorir a vida de alguém. 
Por nós mesmos já somos nublados o suficiente, ninguém precisa de mais cinza em sua vida, aquarele-se.
Acordei, em todos os sentidos.


(Ao som de: Fotos na Estante - Skank)
Texto para a edição roteiro do Bloínquês

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Da loucura de tentar


"Pourtant quelqu'un m'a dit
No entanto alguém me disse
Que tu m'aimais encore
Que você ainda me amava
Serais ce possible alors?
Seria possível então?"

Era a Paris dos postais da infância, dos cartões das aulas de francês e principalmente a Paris dos sonhos dela com ele. Era a cidade-luz que iluminava e reluzia e inebriava burguesia romântica soando das falas sussurradas no boulevard e se mostrando faceira e sedutora por todas as ruelas do mundo que habitava ali.
Era a cidade que tinha abrigado o amor da vida dela e agora ela enfim criara coragem pra soltar os pés e cortar o cordão umbilical, indo atrás da realidade firme de um amor de adolescente. Cheia de medo e sem uma direção específica além do nome de um restaurante e de uma escola gastronômica onde ele fora estudar, ela se enfiara no avião, passagem e passaporte nas mãos trêmulas. Quando pisara na Europa, aquele velho continente transbordou em nostalgia de planos feitos e na vontade de que fosse a hora de concretizar mãos dadas suspirando o l'amour.
O idioma trôpego pediu ao taxista para deixá-la onde julgara ser o lugar certo, esperando por ele em frente ao seu trabalho. O fim de tarde dava ao céu uma combinação de azul e laranja e vermelho e ela só pensava em como fora louca, não por estar ali agora, por ter decidido no último momento, por ter dado um adeus rápido aos pais.
Era louca porque fantasiara-se ali anos atrás, quando ele partiu. Ela viria fazer aulas de dança e ele se tornaria um grande chef.
Por medo ou bobagem que se passa na cabeça de uma menina de 17 anos, ela soltara a mão e terminara tudo, que ele fosse para Paris e a esquecesse. Que realizasse os sonhos que iam além do Oceano e que fosse feliz.
Mas felicidade não encontrava desde então e talvez fosse meninice demais isso de temer a realização de sonhos tão bons. Ele fora e estudara e crescera. E ela ficou parada no tempo, esperando o coração entupir de saudade e de rancor por não ter tido a coragem suficiente quando foi necessário.
Com os olhos em lágrimas ela o viu sair pela porta da frente, três anos mudava qualquer pessoa, mas ela o reconheceria de qualquer modo, as pupilas eram as mesmas, a cor que vinha dele, o traço do sorriso formando uma covinha tímida no canto esquerdo do lábio e o nome dela dito num sotaque francês que ele ganhara. Tudo era ele. O ele dela.
Não conseguiu se mover, ele poderia ter se casado, ter desistido dela, ter se tornado um homem estranho. As coisas na vida real não funcionavam como nos filmes. Ele podia ter simplesmente ódio dela e ela nem o poderia culpar, afinal, fora sua escolha. Não dele.
Mas ele sorriu. Ele gargalhou e lá de onde ela estava, no fim da calçada, um metro e meio de distância dos braços que a tinham feito percorrer tantas horas e tantos medos, ela ouviu o próprio coração bater, sentiu aquela dor na ponta dos dedos que se sente quando a vontade de tocar algo é tão mais forte que o impulso cerebral e quis dizer qualquer coisa, saiu apenas 'sonho', suspirado, quase calado, imperceptível não fossem os ouvidos dele tão treinados.
Se recompondo e imaginando o quanto soaria ridícula, ela se forçou a dizer:
- Paris é mesmo linda!
E aqueles olhos que tinham o tom de castanho mais parecido com chocolate derretido dele jogaram-se no chão, o ar entrou e saiu do pulmão dele e ela ficou sorvendo cada molécula de oxigênio que sobrara pra própria respiração até ele dizer, meio sorrindo, meio desconfiado do golpe de sorte de tê-la enfim ali, na realização de um sonho que nunca desistira:
- É bem mais agora. Pode apostar.
E no fim de tarde de um dia de meio de semana Paris sorria uma história de amor.


(Ao som de: Quelqu'un m'a dit - Carla Bruni)




terça-feira, 7 de junho de 2011

E agora foi


"So much to be done
Tanta coisa para ser feita
Everything works out
Tudo vai dar certo
So they say...
É o que dizem...
It's tough getting older
É difícil envelhecer"

Eu nunca tive pretensões com os 18, mas elas vieram em cheio com os 21. Alguma coisa me dizia que seriam libertadores. E foram.
Foi o ano das conquistas, mesmo eu não trazendo para casa todos os troféus. Nem todas as conquistas se resignam em ganhar tudo.
Ainda tenho muitos medos, vários sonhos infantis e vontade de não sair da cama quando estou triste. Mas hoje tenho firmeza nas pernas e brilho nos olhos pra ter certeza que meu futuro só não será grande se eu não permitir.
Esse foi o ano das surpresas! A formatura, o baile, o casamento da melhor amiga, o novo emprego, a cidade nova, morar sozinha, fazer novos amigos, ver sonhos antigos se tornando reais... Eu sobrevivi aos vinte e um. Sobrevivi quando puxaram meu tapete, sobrevivi quando vi que nem tudo é como se quer, sobrevivi quando olhei para o lado e descobri que agora era apenas eu.
De presente por tudo isso eu ganhei a solidez de um amor segredado, cantando canções só nossas. Ganhei o brilho de um olhar novo que se esforça para me entender, ganhei aceitação mútua. Do presente eu arranquei os frutos e fui plantando, ralando os joelhos aqui e ali, mas tão afim do que eu sei que virá.
Envelhecer é difícil e encantador. A gente começa a se preocupar mais com a saúde por saber não ser de ferro, começa a ver que algumas metas estão bem próximas e que querendo ou não, a vida continua, com ou sem você.
Envelhecer exige guardar no peito o que é lindo da infância, o que é certo da adolescência e o que vem pra ser adulto.
E é acima de tudo olhar o novo com um carinho de quem saboreia as sensações com experiência de tato, de paladar.
Se fosse fácil, não seria envelhecer, não seria nascer.
Bonito é isso, que a gente não estando terminado vai se alterando, aprendendo com os erros, errando de novo, perdoando e sendo perdoado.
Eu soube desde o primeiro minuto que esse ano seria especial. Que venha então o novo e traga mais felicidade, mas que respeite o velho, sempre.
E que quando eu acordar amanhã sinta amanhecer um novo ano todo cheio de possibilidades lindas!

(Ao som de Older - Colbie Caillat)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Dos laços



"Não importa quantas milhares de pessoas viraram estatística. Quem um dia você chamou de amigo, será sempre uma pessoa, nunca um número qualquer em registros hospitalares. Vou além, nem o sangue tão dessemelhante me impede de te chamar de irmão."

Ando procurando fundo definições do porquê a gente se encontra em pupilas alheias, mas psicologia nenhuma me define tal coisa. Confesso que me sinto um pouco mal porque me dou por inteiro mesmo sem saber se o outro está ali, disposto a receber tudo isso. É afeto por demais e o demais às vezes assusta. O mundo é feito de tão pouco.
Mas se não for assim, não serei eu. E se não for eu, não é digno. Mas e se você não estiver disposto a me olhar e me querer mesmo sendo essa criatura estranha?
Devia ser lei a reciprocidade, uma lei universal para qual não houvesse prisão, mas liberdade incondicional. Se não é recíproco, que não exista.
Tenho defeitos de fábrica e eles fazem aniversário como os pecados de estimação. Moram em mim, sempre penso que me livro deles e sempre estou novamente indo até o fundo, cobrando. Não é por querer, acho tão feio cobrar. Mesmo.
Me arrependo sempre, queria ter o orgulho de dizer que isso nunca acontece, mas eu erro tanto e peço perdão. Tenho medo de perder. Não sei mentir.
Talvez eu seja ainda uma criança em tanta coisa! Cabe viver mesmo pra aprender.
Já me prometi demais que não ia achar lindo um brilho de olhos e topei em esquinas com olhos tão lindos que quebrei promessas antigas. Não dá pra viver sem experimentar um bom abraço, ainda que haja sempre riscos.
Acredito nas coisas como são, acredito nas coisas que foram e mais ainda nas que serão, não há encontro sem motivo, não há reconhecimento de alma sem proveito. O acaso é vazio de sentido e sentido é preciso sempre.
Não é fácil lidar comigo, mas vou fazer o quê? Não é fácil lidar com ninguém, mas é preciso tentar porque viver sozinho e num lugar só é para pedra.
Queria pedir pra você sorrir e desviar os olhos, mas não totalmente. No começo a gente estende a mão por curiosidade, depois por carinho, eu queria que estendesse agora por saber que eu gosto de tocar. Eu gosto.
Acredite que não sei  bem dizer algumas coisas, mas tento tanto! 
Aquela metáfora de que as coisas mais importantes são transformadas em objetos pelo cérebro pra que a gente possa dar, receber. Pôr na estante.
Não faço sentido e nem vou fazer sempre, mas isso não é ser incoerente, é ser real. 
Quase todos os dias peço pra que acorde feita de cimento, mas não dá, nunca me atendem. 
Hoje não quero pedir nada não, sei que meus créditos não estão lá nas alturas, hoje eu quero só dizer que pra mim é muito mais que um número, adultos é que gostam deles. Não é algo pra se fazer volume, não é pra eu exibir, não é pra eu ter em quem me apoiar, é porque olho e vejo dentro da sua cor um mundo que é comum ao meu. É porque toco e sinto. É porque é amigo. E amigo é definição que quase sempre se basta.

(O fragmento lá em cima é do Gabito Numes - twitter @gabitonunes)

sábado, 4 de junho de 2011

Do que se pede


- Mãe, se eu fechar os olhos e fazer um pedido bem forte, realiza?
E a mãe olhou pro fundo da alma da menina e pensou se seria melhor dizer que não, que as coisas raramente iam como se queriam, que fazer pedidos estava tão fora de moda quando ser piegas, que o mundo real era tão exigente e que se ela continuasse assim as coisas não ficariam boas quando se tornasse uma mulher não. Mas a mãe não disse nada, porque se lembrou que um dia fora uma menina e fizera pedidos e agora doía a não realização deles, e ela era o que era por conta de pedidos. A menina tinha os direitos dela.
- Se você pedir com toda força sim. Mas tem que torcer minha filha, tem que torcer muito, porque não é muita gente pra realizar pedido, e se alguém pedir o mesmo que você, pode não ser sua vez ainda de ser atendida.
Alguma coisa quebrou dentro da pequena Ana Terra aquele dia e desde então ela nunca mais soube fazer pedidos, era arriscado por demais entregar pra sorte algo tão nobre quanto o que se queria. Vai ver se quisesse com bastante fé, vai ver, o pedido sentisse a necessidade de se concretizar, ele por si mesmo tomava rumo.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Da firmeza que não se deseja


You got me locked out here, dancing in the rain
Você me prende aqui, dançando na chuva
Drunk with the thought of your smiling face
Embriagado com o pensamento do seu rosto sorridente

Eu o vejo todos os dias, sinto a apreensão dele por esperar por alguém que nunca chega, quase consigo tocar o silêncio constante em que ele se joga naquele mesmo banco a esperar.
Ali na frente o mundo e o canal que parece ter levado você, toda aquela água que ele admira e vez ou outra toca, e eu fico querendo dizer a ele que tudo tem um propósito, toda água caminha para o mar e que talvez, se ele desviasse um pouco os olhos, a grama ficaria menos pálida ele notasse que ao redor existem mais pessoas com sorrisos para compartilhar.
Existem braços ansiosos da vontade de aquecê-lo, da vontade de bater de leve nas costas dele e dizer que já chega de sofrimento, que de drama em drama se constrói uma bela história, quem sabe até um romance. Necessita só olhar pra frente, em direção diversa, preferencialmente.
Eu estava bem aqui, plantada em posição privilegiada quando o vi correr pela primeira vez com você, que jeito de desviar os olhos que você tinha, aquela cor de verde seco e frio, seus olhos tinham uma cor que me dava medo, a cor do outono.
Ele veio até mim e com força e desejo de eternizar rabiscou com o canivete roubado do pai suas iniciais. Combinavam tão bem, eram letras de sonoridade gostosa, eu as diria facilmente.
Notei quando ele te roubou um beijo passando por cima do medo que eu sentia nele, daqui. Notei quando você jogou o pescoço para trás e gargalhou de um jeito delicioso que até os vizinhos teriam sentido o calor que saia da sua risada. 
E agora eu noto a falta que você faz de propósito e acho feio toda a história de fazer um verão que foi lindo virar um inverno seco, indigno até de flocos de neve.
Você partiu menina, é o que sempre acontece quando as férias acabam e a cidade volta a ser pacata e vazia. Deserta para ele agora.
Vez ou outra ele vem até mim, retira a casca que se formou em cima das iniciais e me abraça, queria poder dizer a ele que tivesse eu mesma braços, seria recíproco.
Queria dizer a ele que você foi só uma menina de olhos de folha levados pelo vento, que não cabe dele se sentir tão perdido e desorientado no meio de quem sempre foi sua companhia.
Possível fosse eu diria apenas uma frase ao quase homem que todos os dias se senta naquele banquinho pra sentir doer a sua ausência: 'Nem todos nascem para ser árvores e plantar raízes'.
Mas talvez ele não entendesse que o destino dela era ser água.
Como eu não entendo até hoje como o meu é esse, ser árvore.


Texto para a edição visual do Projeto Bloínquês.
(Ao som de The Stand In - Leighton Meester)

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