terça-feira, 31 de maio de 2011

Esquecido no varal


"No mais estou vivendo normalmente
Não vou ficar pensando
Se tivesse sido o contrário"

É que me basta de ver o vento bater e respirar fundo tentando sentir ainda o seu perfume, mesmo a porta estando trancada.
Me basta de deixar o coração descompassado ao abrir o sorriso na rua e pensar que talvez você esteja em uma esquina dessas, reparar no salto que eu uso pra ainda estar do seu tamanho.
Cansa isso da gente acordar cedo e não saber se vai se animar a sair da cama antes de um sinal do Sol insistindo que dor de falta de amor é motivo pra demissão com justa causa.
Eu fui ali buscar meu amor-próprio que você guardou porque dizia que era demais o nosso amor, não cabia tudo isso junto.
Já que você resolveu aparecer, lave aquelas xícaras todas e suma com as suas meias que estão congelando no varalzinho da varanda. Deixei lá, morando no inverno congelante dessa cidade, sente todo o frio?
É que eu te aquecia, não te contaram, mas agora eu durmo bem sozinha.
Descobri que o espaço não é demais se eu desejar ocupar tudo, ter bons sonhos e acordar bem. Quero ser feliz, não diz nada não.
Você tanto insistiu que me convenceu a dizer não pra minha insistência em me culpar. A culpa é só sua, você foi o idiota da situação.
Desculpe, mas uma hora você vai precisar fazer a sua limpeza de alma também, ajuda a ir pra frente.
Algumas vezes não teria te matado me dizer que era exatamente o que você esperava, porque não soaria feio, era recíproco. Não custaria tocar meu rosto e fazer um carinho na bochecha com as maõs que eu não me cansava de dizer que eram lindas. Você nunca reparou como eu cabia tão bem no seu abraço não é?
Agora veja bem, não se morre de amor, nem da falta, nem de nada. A gente chora o desencontro, pragueja a raça, diz que nunca mais vai querer compartilhar vida, travesseiro e sonho com alguém e bate as portas querendo que vire inverno e alguma coisa congele.
Mas as estações continuam e você acorda em pleno dez graus de maio com o sol tímido entrando na frestinha da janela que você tantas vezes prometeu consertar e percebe que a vida lá fora não só continua, ela é a mesma.
Só não se engane, ela não está esperando por você. Ela está continuando sem você.
Dá licença amor, mas eu não posso deixar passar não. Diferente de você ela é minha.
Eu que lia literatura infantil demais e acreditei mesmo em príncipes e para sempre. 
Existe alguém com quem estarei pra sempre mesmo, com quem compartilharei cada riso e choro. Eu.
E preciso ir lá cuidar mais de mim, sorrir mais pra mim, esquecer a sua sombra suja de pretérito que de mais-que-perfeito passou pra imperfeito.
A gente se cruza e eu te dou um olhar decente, sem ressentimento ou ironias baratas. Não preciso dizer que estarei bem, você vai notar.

(Ao som de: Mesmo sozinho - Nando Reis)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Agora






Ana Terra era daquelas que não fosse muito cuidado teria vindo prematura.
Era uma urgência batendo no tic tac peitoral da menina que afoitismo nenhum descrevia.
Os pais tentaram técnicas apuradas que iam da ginástica aos quebra-cabeças, mas era uma sede. Pressa não, porque pressa era coisa de executivo andando de um lado pro outro, passo ligeiro, pasta na mão.
Era vontade de segurar o fiozinho de algum balão que ela perseguia e não queria deixar subir, nunca nunca.
O terapeuta desenganara e o namorado até se importaria mais, não fosse um charme aquelas mãos dela sempre tão vidas, pulsantes e alegres, alertas.
- Parece sempre que um segundo e pronto, já foi.
E ele olhava aquela menina tão moça e questionava com os olhos para ouvir sempre:
- Não sei, não sei... Já foi.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Da felicidade


Eu sou feliz com o pouco, com o pequeno, o singelo. 
Não me venha com buquês. 
Felicidade é pétala arrancada junto, florzinha miúda na mão.



domingo, 22 de maio de 2011

O que era dentro dela


"Elas estão dentro dos meus olhos
Da minha boca, do meu ombro...
Se quiser ouvir
É fácil perceber"


Era feita de terra e de palavras, muitas palavras.
Mais palavras do que tudo. A essência era essa, como a da menina que roubava livros e transformava a vida de um judeu.
Dentro dela era um rio de palavras, bilhetes formavam montanhas, faziam o coração bombear mais e mais oxigênio, girassol, melancia e pólvora, aquelas preferidas.
E ela tinha uma necessidade delas, cabia explicação médica: era o seu ar, o seu chão, o seu norte.
Coisa feia, tinha gente que não sabia dizer, não conseguia e vez ou outra nem queria, era preciso silêncio.
Mas silêncio morava nela também, silenciosamente ela digeria tudo, lá na fábrica de energia para aquele corpo escrito era tanto silêncio, pra decodificar cada uma, analisar cada termo, suspirar cada sentido bom. Um silêncio Lispectoriano.
Só que as palavras vinham até assim, dos olhos, das mãos, dos braços que buscavam e insistiam por abraços. As palavras vinham em enxurradas e ela ia atrás, tentando limpar as paredes depois da tempestade, tentando plantar novamente o que a água levou, tentando e tateando, porque tantas vezes o que se diz é cego.
Ela era então aquele emaranhado de termos que nem todos sabiam ler, e quando vinha assim alguém com jeito de que decifrava tudo só de olhos, ela dizia vivendo ainda mais, porque era tanta coisa pra mostrar de lá de dentro, tantos mundos e línguas estranhas morando no corpinho. E ficava aquele susto do outro lado, porque a gente nem sempre tem estrutura fonética, sintática, semântica ou psicológica pro que habita dentro do outro, tão diferente da gente.
Então ela mastigava sangue da língua e engolia tudo de lindo que sempre dizia. E pedia internamente pra que calassem um pouco tantas vozes sempre ativas. Era preciso ser passiva um pouquinho só.
Respirava o ar seco porque era inverno e deixava resfriar tudo, formar termos novos, germinar o silêncio que vem depois e antes. O silêncio que não é o contrário das palavras, é apenas o meio delas, o espaço para que elas sejam melhores compreendidas.

(Ao som de: As Palavras - Vanessa da Mata)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Explicação nenhuma isso requer



"Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo
Vai queimar"

Seria uma história bonita se começasse com era uma vez. Mas era a história deles e a beleza não vinha em como se inciavam as frases. Ela vinha de tudo, até dos silêncios.
Quando ele a viu pela primeira vez sentiu que ela tinha aquele ar de quem sabe tanto das coisas e que era preciso dar uma lição, afinal, ninguém sabe tanto das coisas assim.
Não foi amor, foi vontade de provar que ela era mimada e rabugenta. Teimosa e metida a dona razão.
Quando ela sentiu pela primeira vez o toque dele não foi amor, foi desejo de sentir aquele calorzinho medroso que saía dos poros dele. Quem seria ele se ela o deixasse solto, pipa em vendaval de inverno?
Não foi amor, porque não tocaram sinos, o mundo não parou e o ar até voltou aos pulmões depois de alguns minutos.
Mas ela moraria dentro do abraço dele por dias, se coubesse esse tipo de coisa no mundo real. Sendo ou não amor, tendo o nome que quisessem dar.
E ele ficaria abestalhado diante da confirmação de que ela não sabia todas as coisas, mas sabia um bocado suficiente para que ele quisesse sorrir o sorriso dela, viajar no olhar dela.
Não foi amor, não era e vai saber nem seria.
Eles tinham autonomia suficiente para inventar o nome que fosse só deles, esse estava batido por demais já.


(Ao som de: Pra você guardei o amor - Nando Reis lindo e ruivo)

Smile


"Mesmo triste eu estava feliz"

Algumas vezes o mundo vai girar estranho e causar a sensação de que o chão é uma ideia enganosa. Seja mais forte que isso.
Você vai ter vontade de gritar ao mundo que tem medo e que não quer mais acordar no meio da noite sem ter uma mão segurando a sua. Respire fundo.
Virão dias sem chuva ou Sol ou vento e seus olhos estarão vagando em lugares distantes ou próximos, você não saberá identificar. Não feche os olhos, mesmo assim.
Por dias você vai desejar tanto um abraço que seu corpo doerá a falta dele. Não peça, abraço não é coisa que se peça.
Você vai querer chorar, sangrar e morrer. Mas nada disso acontecerá.
Porque você não é mais uma menina, não tem mais dez anos e não tem trinta ainda, precisa aprender a conviver com dias bons e ruins, com proximidade e distância.
Sempre disseram que o complicado estava em nós, e nunca mentiram.
A felicidade não está ali fora, mas se você fechar o quarto, a janela, a alma, ela não vai chamar por você, talvez ela não se lembre aquele apelido que você gosta de ser chamada, talvez você esteja cavando tanto aí dentro que o buraco vai só crescer.
Talvez tudo que você realmente precise é de um pouco de vazio.
Porque é o estado em que as coisas estão mesmo antes de se encherem novamente.
E você dirá que está tudo bem e se deixará acreditar.
Uma hora as coisas voltam para a órbita comum e as canções serão as mesmas, sem entrelinhas dolorosas.

(Ao som de: Ainda Lembro - Marisa Monte)




terça-feira, 3 de maio de 2011

Pequenos fragmentos de luz





Ela tinha mania de fazer pedidos, mas nem de perto ela sonhou com algo assim.
E de repente não havia o que escrever porque nenhuma palavra ia traduzir tanta coisa linda.
Ele sabia o que o silêncio dizia. Bastava a ela então calar e dizer tudo que só os dois compreendiam.
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