sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Erro de tempo



Amor,
Coisa estranha a nostalgia que toma conta das partículas preguiçosas do meu pensamento em épocas do fim. Eu hoje joguei tanta coisa fora, eu vi o meu passado passar por mim. Lembrei uma menina de cabelos quase loiros deitada em um quintal cheio de folhas pelo chão. Lembrei um sol que fazia os olhos se fecharem e o sorriso se espichar porque era sol de vida. Era uma vez naquela época uma guria que sonhava em plantar estrelas e você caçoava dela porque as estrelas moravam no céu, plantas cresciam no chão.
A gente sempre sente falta do que perdeu, mas por que me abate essa coisa ardente no peito que me faz sentir falta do que sou? É como, amor, se eu me perdesse em cada esquina, como dizia uma música ou um filme, não me lembro. Sabe, como se eu fosse em cada água de chuva, em cada lágrima boba, cada esbarrão ou abraço de amor. E onde eu estou que não me acho?
Não há reclamação, o ano foi lindo. Vieram tormentas porque eu gosto de olhar o céu pedrento e pensar na tempestade que virá. Foi de linha a construção do meu sonho...
Mas chega essa hora e eu fico pensando se poderia ter sido mais. Não me quero pela metade. Tem de ser inteiro porque do contrário perde a intensidade, água morna não vira chá e nem gelo.
Acho que foi pro lixo a consideração de que é preciso agradecer e pedir perdão. Dane-se se hoje eu quero só estar ao seu lado e ficar calada, quero você falante, fazendo mil planos para o ano que virá e me incluindo em cada um deles. Quem se importa se hoje eu queria só um espacinho de tempo perdido para poder ter medo de estar me tornando a realização de um sonho que eu não sei se era o melhor a se sonhar?
Talvez o correto fosse resgatar lá do lixo então o passado, aspirar um pouco e pintar de tinta nova. Futuro velho.
Os outros achariam a maior graça do mundo, mas amor, acho que pra ser feliz preciso aspirar e sentir o cheirinho de naftalina e mofil. Acho que nasci no tempo verbal errado.

(Ao som de Os Paralamas do Sucesso - Tendo a Lua)

domingo, 11 de dezembro de 2011

De Profundis





Ana Terra com a sensação de que nunca estaria totalmente pronta completara 18 analisando um desastre. E a mãe dizia qualquer coisa sobre corpos que morriam no mar.
Coração na mão ela sabia. Amores que têm suas memórias afogadas jamais descansavam em paz. Havia sempre algo, uma esperança talvez, de que uma hora ou outra submergisse novamente tudo aquilo e sufocasse mesmo estando salvo, em terra não tão firme. Não havia como velar corpos ausentes. E o choro sempre ficava para depois...


(O título é uma referência ao livro de Oscar Wilde)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Quando breve, para sempre


This could be the end of everything
Isso poderia ser o final de tudo
So why don't we go
Então porque nós não vamos
Somewher only we know?
Para um lugar que só nós conhecemos?

Aquela era a única lembrança que eu tinha e eu não mais conseguia me afastar dela. Havia um bosque, o seu vestido florido colorindo tudo, eu implicava com o modo como você rodopiava em torno das árvores e me permitia ficar tonto ao constatar tanta beleza junto.
Eu amava você como se fosse capaz afastar todo o resto, as árvores dançavam a nossa canção e uma mesa sempre vazia compartilhava conosco a felicidade sem fim que vivíamos.
E então onde estava você e seu vestido? Onde fora parar a canção? Alguém me puxava pela mão e dizia que estava frio e eu estava de pijamas ainda. Mas como eu poderia me afastar de você? Era verão, em breve choveria e eu sei que você ficava ainda mais encantadora com os cabelos molhados pela tempestuosa e passageira chuva. Como eu poderia me afastar da única sensação de eternidade que me era possível apalpar? Se eu fosse alguém, eu era apenas ali.
A menina vinha, os cabelos eram cacheados nas pontas e  tinha uma cor que me lembrava algo que não sabia o que era. Os olhos eram grandes e vivos e fortes e eu tinha medo de decepcioná-la. Um medo mortal.
Ela se sentava ao meu lado e por alguns momentos apenas olhava as árvores também, ela sorria às vezes, uma dia a peguei chorando e não compreendi como algo tão lindo causaria lágrimas. Mas a menina não dava explicações.
Eu contava para ela a história de como você chegara ali, repetia cada detalhe das flores que brincavam no tecido dançante do seu vestido, eu narrava o amor que nós tínhamos ali, o nosso lugar perfeito. Explicava a ela como era o som do vento, como eu desamarrava os cadarços do sapato sempre lustroso que calçava, como você se jogava ao chão e fingia choros compulsivos quando eu não fazia a sua vontade, para logo depois saltar sorrindo e passar os braços por meu pescoço dizendo que me amava, me amava, me amava.
Nessas horas a menina sempre encostava a cabeça nos meus ombros e eu ficava com a ideia de que talvez você tivesse voltado, mas para onde você tinha ido? E ela também me abraçava, mas concentrava-se mais em me apertar bem firme as mãos, quase doía seu aperto. Minhas mãos não eram mais as mesmas e isso me deixava triste, a menina então dizia que me amava, e o eco da sua voz vinha: você me amava...
Fingindo distração com um graveto, ela começava a me contar uma história, alguns personagens pareciam tão reais. Havia um homem completamente apaixonado por uma garota (todas as histórias eram assim?), havia um bosque verde com o nosso e eles foram muito felizes naquele lugar. Tão felizes que seria impossível esquecer tudo aquilo.
E a menina dizia que a mulher de vestido florido casara-se com o moço dos sapatos lustrosos, e fora uma cerimônia maravilhosa, talvez eu fosse bom em imaginar casamentos porque o modo como ela descrevia as coisas faziam com que eu quase conseguisse enxergá-las.
Nessa hora a menina sempre começava a chorar e sem dar explicações ela me apertava as mãos e balbuciava que o casal tinha sido feliz para sempre. E que o para sempre deles para muitas pessoas seria entendido com muito pouco, mas para os dois seria eterno. Como o bosque e a lembrança daquela mulher linda dançando por ali.
Ela havia morrido enquanto ele fora servir na guerra. Complicações de um coração que ficara para trás faltando um pedaço. Tinham uma filha que esperava todos os dias até que o pai chegara e eles tentaram como foi possível seguir em frente.
Agora nada mais importava porque ele estava novamente naquele bosque, ele tinha novamente a mulher que sorria e dançava. Para ele apenas, mas que diferença isso faria?
Ela era a neta daquela mulher e essa era a hora em que ela me chamava para entrar, ela me abraçava e prometia me contar muitas histórias, mas dizia que ali estava frio demais, que eu não poderia me arriscar assim.
Eu sabia que ela me amava, eu reconhecia o amor. Mas não havia como explicar para mais ninguém que ali eu não estava me arriscando. Ali eu estava vivo.
Não era uma espera. Não era tristeza.
Eu apenas vivia quando estava ali.


(Ao som de: Somewhere only we know - Keane)
Texto para o Projeto Bloínquês.
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