quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ciclos no escuro deserto do céu


Quero um machado pra quebrar o gelo
Quero acordar do sonho agora mesmo
Quero uma chance de tentar viver sem dor

Você continua aí empaturrando tudo e fazendo um drama me dizendo que eu sempre fujo. É a sua principal acusação. Bem, não que você tenha perguntado, mas talvez eu queira começar a te explicar porque eu realmente sempre fujo.
Acho que fugi desde o princípio, talvez você não notasse, mas primeiro era o mundo imaginário que eu criava para ver se conseguia sua atenção. Entramos em um impasse, o primeiro de alguns que virão, você me dava atenção, não posso mentir. O problema é que sua atenção era quando te convinha. Não me lembro de doer antes dos oito anos.
Lembra? Aquela menina de bochechas grandes que os adultos gostavam de apertar e que já tinha uma queda para a birra. Eu fugi um dia porque você não estava bem e eu não sabia o que fazer para você estar melhor. Era mais que desesperador não ter esse poder.
Que ingenuidade de menina a minha. Quem me dera ter o poder de não te fazer sentir dor ou sofrimento.
O tempo passou mais um pouco e eu percebi o primeiro problema real já quase adolescente. Às vezes você conseguia fazer com que eu me sentisse tão mal. E no outro dia você fazia com que eu me sentisse a pessoa mais linda e amada de todo o Planeta, eu era uma princesa.
Sabe, você era meu Sol. Eu era só um planeta vidrado na força que você tinha, o modo como todas as pessoas eram sempre alegres ao seu redor, o jeito como todos os meus amigos gostavam de você, o domínio que você exercia me fascinava tanto.
É cruel o Sol parar de brilhar, você não acha?
Quanto mais eu tentava ser uma boa pessoa, eu me esforçava para ser a melhor, para ter o destaque, as melhores notas, a popularidade, o carisma... Mais você procurava tantas coisas que eu não tinha...
Tentei tanto. Parece que não, eu sei. Tem coisas que não são de mim sabe? E você dizia que alguém era isso, ou aquela outra pessoa fazia aquilo. E eu me matava aos poucos porque eu me esforçava e não atingia, ficava sempre no quase. Eu era quase aquilo que você esperava.
Acredito que seja impossível para você entender tudo isso, você dirá que sou dramática e que você sempre fez o máximo por mim, veja bem, eu não estou dizendo o contrário.
Você não sabe o que é amar alguém e ter medo. Ter vontade de tocar o cabelo de alguém e aquela pessoa te sorrir e você acreditar que o mundo é perfeito e fazer isso novamente e o gesto ser repreendido.
Então eu vou te explicar porque eu fujo.
Fujo porque sou covarde e cansei de ver doer. Fujo porque eu não consigo mais conviver em cima da linha, não consigo mais gostar desse jogo de amo-desamo. Olha pra mim, enxerga o quanto eu sou sensível, não vê que eu me faço de forte pra você não chorar mais?
Eu te amo tanto, teria motivo para não amar? Você é parte de mim. Mas uma parte que me enlouquece e eu preciso ser adulta agora. Não existe mais espaço para aquela menina que acreditava ser uma personagem de livro.
Estou cansada de viver para tentar suprir suas expectativas.
Tanta gente me conhece e sabe o quanto eu valorizo quem eu amo, eu sou cheia de defeitos, alguns desses mesmos que você aponta com frequência. Mas quando eu quebro alguma coisa, eu tento consertar. Eu faço tanta força para carregar os sentimentos alheios sem derrubar nada, me ajuda.
Você diz que precisa de colo e eu queria ir até lá e te abraçar e dizer que vai ficar tudo bem, que o choro que me acometeu hoje e que fez com que doesse tudo de um jeito que me assustou tanto, esse choro passou. Eu superei.
Mas eu não superei nada.
Tem tanta coisa presa aqui sabe, eu queria que você me amasse mais do que me ama. Eu queria que você nunca gritasse comigo e me acusasse de qualquer coisa. Eu queria que você fosse o meu Sol de novo, porque eu ainda não estou pronta para ser o Sol de alguém. 
Crescer já é tão complicado normalmente, por que as coisas precisam ser ainda piores?
Dizem que eu sou boba porque sonho em salvar o mundo. Quer saber, é uma hipérbole.
Se eu pudesse eu salvava só uma coisa, você.

(Ao som de: O Astronauta de Mármore - Nenhum de Nós)

2 comentários:

  1. Poxa, você me faz engolir todas as palavras de uma vez, sabe? Mas de uma forma estranha eu sinto o gosto de cada uma delas antes de passar pela garganta. Bem, não sei se ingerir é o verbo certo, tenho problemas com verbos às vezes, como você, há dias que eu quase os conjugo, entende? Sei que sim.
    Bem, de todo o modo, tenho certeza de pelo menos um verbo adequado às emoções subsequentes aos seus texto, esse verbo é o sentir.
    E sinto cada desfecho sentimental que me invade a cada palavra saboreada.
    Como é bom provar desses seus textos...

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  2. Fui lendo e lendo e, quanto mais eu lia, mais me identificava. Não sei ao certo o motivo, mas lembrei da minha mãe. Muito.

    Eu amo seus textos. Amo essa delícia que é esquecer de todo o resto por alguns minutos e apenas te ler. Parabéns.

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Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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