sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Do que se aprende


"Será que ela é triste?
Será que é contrário?
E se ela só decora o seu papel?"

Eu sempre soube o que seria, mas você me fez querer ser mais. A menina que eu era você fez morrer e longe de matar tudo que fui um dia, aquela primeira morte em um teatro velho de cidade de interior fez brotar passos firmes.
Você merece uma explicação do início. Vamos por partes então.
Num primeiro momento eu te amei de longe, eu imagina figurações em que eu poderia aparecer e você me tomaria pela mão e seríamos felizes para sempre brincando de mudar o cenário. Eu te amei porque você trazia o brilho, você tinha o dom de ser o que quisesse, quem quisesse. Mais tarde eu entendi que na verdade você não era o melhor ilusionista. 
Talvez tenha sido culpa da vida, mas haveria modo de não me encantar? Você sorria e você chegou aqui, bem aqui onde eu estava! Menina que era acreditei que o destino me dava uma força, que ele queria mesmo que eu fosse a sua princesa dos contos. Acreditei que a gente seria um casal famoso, que tapetes vermelhos viriam, que a nossa vida seria exemplo. Eu acreditei que você me salvaria.
Sabe querido, em muitos aspectos você me salvou mesmo, estão aqui as minhas palavras para você, não estão? Você me conheceu o suficiente para saber que não dispenso vocábulo ao vento. Falo porque no fundo seu amor foi a coisa mais próxima de real que vivi durante a interpretação nada boa dessa minha vida. Merecíamos um Oscar.
Ainda perco o foco, como pode ver... Estávamos no teatro, eu e quase todas as meninas daquela cidadezinha. Seria capaz de sentir e identificar cada detalhe de todos os rostos ali, a lembrança dos cabelos desgrenhados de adolescente, o perfume caro guardado para ocasiões mais que especiais e que não era gasto nem para ir à Igreja, a luz que entrava por um vidrilho quebrado e que me permitia enxergar os flocos de poeira daquele lugar velho. E você.
Você e seus olhos de trovão. Nunca disse isso não é? É uma metáfora absurda, por isso sempre te poupei dela. Eu tinha medo dos seus olhos mas era maior a atração. Eu queria ser a direção deles, eu queria que eles fossem mais lentos que a luz e que se demorassem em mim. Que assustadores eram, mas eu sempre sabia que ao notá-los o pior já havia passado.
Leríamos qualquer coisa e você selecionaria a sua favorita, a que ganharia o papel, sua nova parceira de ficção.
Com o destino embaixo do braço eu fui e você se encantou com tudo. Era tanto medo meu que vai ver algo tenha se convertido em trejeito de atriz. Você me quis.
Sinto falta de acreditar. Sinto falta de sair daquele teatro e ter a certeza de que você era o que de melhor havia, não importando carreira ou qualquer outra coisa que viesse.
Fomos um sucesso. Meu amor por você era tão forte que eu seria capaz de interpretar que éramos felizes, quem sabe mostrando aos outros conseguiria me convencer? E o pior é saber que eu poderia ter mentido por muito mais tempo, não fosse você mudar todos os planos. Não fosse você ir até outro teatro, em outra cidade, depois de todos esses anos, depois de todos os sorrisos que plantei por você, você encontrou outra menina. E depois outra. E sei que teria até mais outra, não fosse seu estado agora.
Você vai morrer querido e eu estou aqui ao seu lado. Não foi de mentira. Não foi por fama, por vontade de estar na frente com você. Foi porque eu quis o tempo todo que você enxergasse que por trás da atriz havia alguém. Eu estava ali. E estou agora.
E justo nesse momento eu não vejo a hora de lhe dizer aquilo tudo que eu decorei na primeira vez que você parando sobre mim os olhos tão meus me entregou um script: 'a melhor coisa que se pode aprender é amar, e em troca amado ser'.
Por favor, não morra, preciso te ensinar isso ainda.
(Ao som de Beatriz - Ana Carolina e Ando Meio Desligado - Pato Fu)
[Na foto a atriz Nicole Kidman. O texto acabou sendo uma carta dela direcionada ao ex-marido, Tom Cruise]

3 comentários:

  1. e quantas vezes a gente decora as frases, os textos... mas na hora "H" não vem nada... Mas acho que mesmo que o decorado nao fale pela gente é como voce disse "aprender é amar, e em troca amado ser".
    nem sei se fez muito sentido esse comentário, mas, bom final de semana Tay! beijo

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  2. Que bonito, Taynná. Bonito e poético. Adorei!

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  3. Tatá, amei esta cartinha. Ficou tão singela e com gosto de saudades e melancólica também. Adorei :D

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Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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