sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Do que o vento não leva


Amor,
Talvez eu devesse começar dizendo que sempre admirara mais do que o normal o mar, a sua inconstância previsível. É um aspecto bem peculiar, não acha? Todos sabemos que é arriscado, qualquer um entende o movimento contínuo que molha e recua, mas mesmo assim a gente se deixa encantar. Se deixa parar e olhar, ainda que saiba que é impossível retê-lo, criamos castelos, enchemos poços com a água e quando menos esperamos, lá se foi tudo.
Hoje eu não sei o que te dizer, porque sinceramente eu queria não te amar, eu queria não ter sonhado com seu retorno durante cada noite e dia desses anos todos, eu quis tanto me afogar mil vezes e em cada uma delas era a sua presença que me resgatava. Em todas as lembranças você me sorria e dizia que nós agimos certo sem querer. Eu queria estar contigo. Eu queria tanto ter tido a voz para dizer que não me importava com a incerteza do futuro, eu tinha certeza que era você.
E você, tão certo, tão meu, tão montanha que sempre está ali, veio. Você veio e eu que sou só mar não soube o que fazer. Mais uma vez permiti que você mergulhasse, bem mais que isso, eu desejei muito que você realizasse todos os sonhos que esperaram sua volta, eu te trouxe para perto e nesse momento, me diz, aonde está você agora além daqui dentro de mim? Dentro desse mar revolto e sem oceano para se desaguar?
Então eu me perco porque a incoerência dentro de mim é sem fim. Eu te amei com todo o amor que fui capaz, um amor que eu pensei ter matado anos antes e que tive que encarar forte e vivo, apertando o peito e diminuindo o espaço de entrada de ar para os pulmões. Mas eu não sei me entregar, não sei pular, não sei não ser mar. E você foi embora novamente porque eu não soube te pedir para ficar e muito menos segurar sua mão e ir com você.
Sabe Miguel, durante todos esses anos eu te escrevi, eu vinha até aqui porque achava que perto do mar estava mais perto de você. Eu sentava nas pedras, deixava o vento me atordoar e a dor ia embora, devagar. Não vai ser mais assim. Eu deixo a onda me acertar mas nenhuma dor vai embora agora.
Talvez eu tenha crescido anos nos dias que você esteve aqui, talvez a força do amor que nós vivemos foi tamanha que eu tenha me acovardado mais ainda, talvez eu não fosse o certo. Queria a certeza de que foi só o tempo que errou, que nossas escolhas foram mesmo as melhores, ao menos as possíveis. Mas sei que a culpa é minha.
Vai ser difícil sem você, sem a esperança que eu fingi calar todo esse tempo de que uma hora ou outra você bateria na porta da minha casa, escalaria a torre imaginária, lutaria com qualquer dragão para me resgatar. 
É a última vez que eu te escrevo e quero que você fique com a lembrança de quando olhávamos juntos na mesma direção, sabe amor, você me fez feliz como eu jamais seria. Você me fez querer ser qualquer coisa para ficar ao seu lado. Você me fez querer ser só sua.
A vida continua e se entregar é uma bobagem, apenas me perdoe por ter sido covarde a ponto de renunciar ao nosso amor, nosso sonho e nossa história.
O plano era ficarmos bem, um dia quem sabe eu esteja pronta para concretizar planos.
Um dia quem sabe eu me faça mais forte, a coragem roube a cena e ocupe o lugar da dor de saber que fui eu quem estragou tudo, quem sabe eu vá atrás de você e te diga que nunca tive coragem de mandar sequer uma carta, mas não houve momento em que não esperasse um aceno seu de volta. Um dia quem sabe eu te ame como você merece, por inteiro, sem medo, sem covardia, sem fuga.
Por enquanto eu ainda não consigo passar por cima do medo, ainda que você mereça tanto, ainda que eu saiba que é mesmo amor o que eu sinto. Ainda que eu saiba que talvez não haja mais tempo depois.
Dizem que o mar tem dessas coisas, quando ama algo demais acaba destruindo, levando para o fundo, estou te devolvendo à praia antes que faça estrago pior.

Lívia.

(Ao som de Vento no Litoral - Legião Urbana)

[Algum tempo atrás postei cartas entre esses dois personagens, Lívia e Miguel. São os protagonistas do meu romance, 'Meus Pijamas em Paris?!'. Nenhuma delas está no livro, essa inclusive pode ser considerada um final alternativo para a história.]


2 comentários:

  1. Que lindo texto, como sempre ♥
    E esse nome, Lívia, é o meu favorito e se um dia eu tiver uma filha, assim ela vai se chamar. Amo amo amo amo.

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  2. ... mas ela não foi pra Paris com os pijamas e tudo mais? (rs). Ansiosa por "Meus Pijamas em Paris II" ...
    Gosto de ver no meu painel suas atualizações. É sempre bom passar aqui. Lindo o texto. Beijo. Saudade.

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Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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