quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Do que soube se fazer bem


'I can't keep up and I can't back down
I've been losing so much time'



Querido,
seguindo aquele protocolo duvidoso que você sempre insistia em seguir me obrigarei a ser superficial no primeiro parágrafo e a falar do tempo. Está um caos esses dias aqui, venta como se fosse agosto, chove como fosse janeiro e faz um frio sibérico como se fosse possível estar em junho outra vez. Se eu fechasse a janela e esquecesse o calendário e voltasse a ser o que era antes as coisas talvez ganhassem mais sentido, mas uma vez você me disse que o sentido está em procurar o significado. Confusamente estou tentando encontrar algo que signifique que eu estou indo em frente.
Procuro nas velhas fotos e o seu sorriso me distrai, você tinha um jeito de cantar enquanto segurava as cartas do baralho que sempre me roubava a atenção e me fazia lixar inapropriadamente, fim do jogo estava você fazendo pontos e pontos em cima das milhares de cartas que eu recolhia perdida na melodia errada que você cantava sorrindo. Entende onde quero chegar? Você vinha me inebriar e na sua maestria de moço bondoso me conduzia para dentro do ritmo, fosse ele existente apenas em você ou não.
Teria uma fórmula para eu não me apegar? Porque já tantas vezes vivi nessa incoerência de ser o boneco de lata do mágico de Oz e não querer ser mais e outra vez querer ter um coração e depois praguejar por sentir tanto e tudo e ter esse nó insatisfeito que parece aumentar conforme eu giro o volume do som. Não consigo me compreender. Sinto tanto por isso, tanto, porque eu sei que você veio com todo o seu mundo para me fazer bem e olhe só, baguncei tudo e todos os defeitos que você deixou para trás agora me assombram numa caixa de pandora transfigurada naquela corda de violão arrebentada que eu jamais tive coragem pra trocar.
Você me ensinou que coisas quebradas valiam porque você fez com que eu valesse enquanto esteve aqui. E eu acreditei que poderia ser melhor, eu acreditei que poderia ir em frente e quando abri a janela e reparei você já havia se soltado. Agora entra o vento daquele buraco no vidro que antes a gente ficava por horas vendo o Sol fazer sombras estranhas no chão, agora a corda arrebentada parece desafinar todo som que reverbera nessas paredes e tenho a sensação que cada defeito meu se enraizou e sou um cedro centenário enquanto você foi colher conchas no mar, tirá-las do seu lugar para enfeitar uma estante longe, bem longe daqui.
Sabe meu bem, eu desejo mesmo que você tenha se tornado melhor, que o tempo que a gente teve tenha sido um tempo de aperfeiçoamento para você porque assim eu me sentiria menos triste, ao menos em alguém ele refletiu de forma boa, ao menos eu poderia fechar os olhos em paz por segundos e imaginar que tudo que doeu foi só em mim e hoje você sorri mais completo porque aprendeu a ser o que queria. Não preciso que você volte para me consertar. Não preciso que venha me cobrir de noite porque aprendi no custo que é frio só até certo ponto, depois o corpo se acostuma e fica mais fácil adormecer. Não preciso que leia tudo isso e sinta pena de mim, pena por eu ter permanecido no mesmo lugar, ainda aquela menina cheia de confusão mental, ainda aquela menina que vê cores e senta no chão para ver nuvens. Eu fiquei porque se seguisse seus passos seria o quê? Se eu te seguisse teríamos o mesmo plano bobo de antes? Você ainda conseguiria acreditar que teria forma de me fazer feliz? Porque por estar eu entendi, hoje, agorinha a mesmo enquanto vasculhava outra vez a caixa de entrada do telefone e notava que não havia nem sinal de fumaça seu, eu enxerguei que não posso aprender nas suas custas. Eu preciso por mim recolher o caco, por mim arrumar a corda do violão, assoprar a poeira que tomou conta dos meus livros de cabeceira enquanto eu estava nessa bobeira doce de ser o seu pedaço predileto de mundo.
O que eu busco com isso tudo é só que você leia e sorria aliviado, a gente não aprende pelos erros alheios, aprende pela constatação de que erra e feio, tenho errado frequentemente tentando aprender observando, é hora de desempenar os braços e tatear, que seja, mas procurar uma saída de onde eu mesma me enfiei. Não dá para desejar que me joguem cordas,  não mais.
E venho perfumada daquele cheiro infantil que eu sempre tive te dizer obrigada. Obrigada por ter sido o possível e ter aguentado o peso que eu coloquei nas suas costas de ser o meu guia. Foi demais, eu sei. Não volte agora porque eu estou tentando seguir um trilho novo, estou tentando fazer uma estrada com meu pé esquerdo meio torto. Mas volte um dia, se puder. Volte pra gente sentar e pra eu tentar te fazer feliz com o que aprendi de felicidade dentro de mim, tudo bem?
Um dia, quando os defeitos, os seus e os meus, tiverem caixinhas próximas e puderem sorrir de paquera um pro outro, distintos, completos em si mesmos.


(Ao som de: You and Me - Lifehouse e The Cave - Mumford & Sons)

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