domingo, 22 de maio de 2011

O que era dentro dela


"Elas estão dentro dos meus olhos
Da minha boca, do meu ombro...
Se quiser ouvir
É fácil perceber"


Era feita de terra e de palavras, muitas palavras.
Mais palavras do que tudo. A essência era essa, como a da menina que roubava livros e transformava a vida de um judeu.
Dentro dela era um rio de palavras, bilhetes formavam montanhas, faziam o coração bombear mais e mais oxigênio, girassol, melancia e pólvora, aquelas preferidas.
E ela tinha uma necessidade delas, cabia explicação médica: era o seu ar, o seu chão, o seu norte.
Coisa feia, tinha gente que não sabia dizer, não conseguia e vez ou outra nem queria, era preciso silêncio.
Mas silêncio morava nela também, silenciosamente ela digeria tudo, lá na fábrica de energia para aquele corpo escrito era tanto silêncio, pra decodificar cada uma, analisar cada termo, suspirar cada sentido bom. Um silêncio Lispectoriano.
Só que as palavras vinham até assim, dos olhos, das mãos, dos braços que buscavam e insistiam por abraços. As palavras vinham em enxurradas e ela ia atrás, tentando limpar as paredes depois da tempestade, tentando plantar novamente o que a água levou, tentando e tateando, porque tantas vezes o que se diz é cego.
Ela era então aquele emaranhado de termos que nem todos sabiam ler, e quando vinha assim alguém com jeito de que decifrava tudo só de olhos, ela dizia vivendo ainda mais, porque era tanta coisa pra mostrar de lá de dentro, tantos mundos e línguas estranhas morando no corpinho. E ficava aquele susto do outro lado, porque a gente nem sempre tem estrutura fonética, sintática, semântica ou psicológica pro que habita dentro do outro, tão diferente da gente.
Então ela mastigava sangue da língua e engolia tudo de lindo que sempre dizia. E pedia internamente pra que calassem um pouco tantas vozes sempre ativas. Era preciso ser passiva um pouquinho só.
Respirava o ar seco porque era inverno e deixava resfriar tudo, formar termos novos, germinar o silêncio que vem depois e antes. O silêncio que não é o contrário das palavras, é apenas o meio delas, o espaço para que elas sejam melhores compreendidas.

(Ao som de: As Palavras - Vanessa da Mata)

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