sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Quando breve, para sempre


This could be the end of everything
Isso poderia ser o final de tudo
So why don't we go
Então porque nós não vamos
Somewher only we know?
Para um lugar que só nós conhecemos?

Aquela era a única lembrança que eu tinha e eu não mais conseguia me afastar dela. Havia um bosque, o seu vestido florido colorindo tudo, eu implicava com o modo como você rodopiava em torno das árvores e me permitia ficar tonto ao constatar tanta beleza junto.
Eu amava você como se fosse capaz afastar todo o resto, as árvores dançavam a nossa canção e uma mesa sempre vazia compartilhava conosco a felicidade sem fim que vivíamos.
E então onde estava você e seu vestido? Onde fora parar a canção? Alguém me puxava pela mão e dizia que estava frio e eu estava de pijamas ainda. Mas como eu poderia me afastar de você? Era verão, em breve choveria e eu sei que você ficava ainda mais encantadora com os cabelos molhados pela tempestuosa e passageira chuva. Como eu poderia me afastar da única sensação de eternidade que me era possível apalpar? Se eu fosse alguém, eu era apenas ali.
A menina vinha, os cabelos eram cacheados nas pontas e  tinha uma cor que me lembrava algo que não sabia o que era. Os olhos eram grandes e vivos e fortes e eu tinha medo de decepcioná-la. Um medo mortal.
Ela se sentava ao meu lado e por alguns momentos apenas olhava as árvores também, ela sorria às vezes, uma dia a peguei chorando e não compreendi como algo tão lindo causaria lágrimas. Mas a menina não dava explicações.
Eu contava para ela a história de como você chegara ali, repetia cada detalhe das flores que brincavam no tecido dançante do seu vestido, eu narrava o amor que nós tínhamos ali, o nosso lugar perfeito. Explicava a ela como era o som do vento, como eu desamarrava os cadarços do sapato sempre lustroso que calçava, como você se jogava ao chão e fingia choros compulsivos quando eu não fazia a sua vontade, para logo depois saltar sorrindo e passar os braços por meu pescoço dizendo que me amava, me amava, me amava.
Nessas horas a menina sempre encostava a cabeça nos meus ombros e eu ficava com a ideia de que talvez você tivesse voltado, mas para onde você tinha ido? E ela também me abraçava, mas concentrava-se mais em me apertar bem firme as mãos, quase doía seu aperto. Minhas mãos não eram mais as mesmas e isso me deixava triste, a menina então dizia que me amava, e o eco da sua voz vinha: você me amava...
Fingindo distração com um graveto, ela começava a me contar uma história, alguns personagens pareciam tão reais. Havia um homem completamente apaixonado por uma garota (todas as histórias eram assim?), havia um bosque verde com o nosso e eles foram muito felizes naquele lugar. Tão felizes que seria impossível esquecer tudo aquilo.
E a menina dizia que a mulher de vestido florido casara-se com o moço dos sapatos lustrosos, e fora uma cerimônia maravilhosa, talvez eu fosse bom em imaginar casamentos porque o modo como ela descrevia as coisas faziam com que eu quase conseguisse enxergá-las.
Nessa hora a menina sempre começava a chorar e sem dar explicações ela me apertava as mãos e balbuciava que o casal tinha sido feliz para sempre. E que o para sempre deles para muitas pessoas seria entendido com muito pouco, mas para os dois seria eterno. Como o bosque e a lembrança daquela mulher linda dançando por ali.
Ela havia morrido enquanto ele fora servir na guerra. Complicações de um coração que ficara para trás faltando um pedaço. Tinham uma filha que esperava todos os dias até que o pai chegara e eles tentaram como foi possível seguir em frente.
Agora nada mais importava porque ele estava novamente naquele bosque, ele tinha novamente a mulher que sorria e dançava. Para ele apenas, mas que diferença isso faria?
Ela era a neta daquela mulher e essa era a hora em que ela me chamava para entrar, ela me abraçava e prometia me contar muitas histórias, mas dizia que ali estava frio demais, que eu não poderia me arriscar assim.
Eu sabia que ela me amava, eu reconhecia o amor. Mas não havia como explicar para mais ninguém que ali eu não estava me arriscando. Ali eu estava vivo.
Não era uma espera. Não era tristeza.
Eu apenas vivia quando estava ali.


(Ao som de: Somewhere only we know - Keane)
Texto para o Projeto Bloínquês.

4 comentários:

  1. Mãe, lindo, lindo! Magico. E eu li ainda ouvindo Someone Like you da Adele.. Lindo <3

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  2. Tatah, lindo texto florzinha *-*

    Eu sou suspeita para falar, afinal amo bosques :D queria poder morar em um algum dia. Não em uma mata fechada, até porque odeio insetos, mas em um local que fosse cercado por um bosque verde e nublado. Amo tempo nublado *-*

    Este conto ficou incrível. Consegui enxergar todos os personagens, assistir todas as cenas e sentir toda a profundidade do amor do casal que foi separado pelo destino. Amei de mais a história. Estou até agora absorvendo-a em cada grão de sentimento emanado dela.

    Belíssimo. :D

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Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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