quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Amor não há de ir embora


'Eu sei que é pra sempre
Enquanto durar
Eu peço somente
O que eu puder dar'

Desde sempre ela estava acostumada com aquela paisagem, vez ou outra o riacho mais cheio das águas do verão, ou das lágrimas da sua infância e adolescência.
Tinha escolhido a ponte como o seu lugar no mundo, o avô a levara ali uma vez para pescarem e não tivesse sido a pescaria um grande fracasso, talvez ela nunca mais voltasse a se recostar na madeira cada dia mais envelhecida e desbotada pelo tempo.
Não era mais uma menina, a fazenda dos avós fora vendida, o destino das férias mudara de lugar, os pais não tinham mais paciência para aprender lições com riachos e o coração já havia se quebrado tantas vezes e se refeito que quase com vinte ela não sabia direito quando tinha deixado de ser aquela menina de cabelos encaracolados e castanhos.
O reflexo na água era outro agora.
Tocando o beiral ela se ajoelhou diante do nome do primeiro amor e com tinta negra o cobriu, fora uma linda história, mas não merecia mais estar estampada na sua paisagem preferida.
Sentou-se e puxando a nostalgia trouxe a memória as milhares de vezes que esteve ali, cada sorriso bobo apaixonado e cada lágrima de paixão ou desamor.
E por sorte ou destino o riacho enfim lhe ensinou a maior lição de todas, não há que se fazer na vida além de amar.
O rio segue seu caminho que não sendo fácil, o fortalece, enfrenta secas e tempestades, pedras e curvas, mas chega ao mar.
Não fora o primeiro, nem o segundo, mas seria algum, podia apostar que sim, talvez fosse aquele que se dispusera a viajar distâncias e a invadir uma propriedade alheia para procurar uma ponte velha.
Respirou fundo e decidiu que tentaria quantas vezes fosse preciso, por aquele riacho que se mantivera vivo dentro dela.
Ele tocou a ponta dos cabelo dela, fez o caminho do ombro e sussurrou não como quem cobra, mas como quem tem todo o tempo do mundo para esperar:
- Podemos passar a noite aqui se você quiser...
Ela não respondeu, rabiscou com a unha descascando na madeira um novo nome e se permitiu ficar jogada nos braços dele, cumprindo seu destino sem pressa de chegar ao oceano.

(Ao som de: Titãs - Porque eu sei que é Amor)
Texto para a 53ª edição visual do BLQ.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Um sorriso falso pra enganar


'Eu só preciso ter você
por mais um dia.
Você vem, 
ou será que é tarde
Demais?'

Deve ser pedir demais querer estar ao seu lado. Deve ser exagero da minha parte desejar gastar meu tempo com você, burrice de menina sonhadora que via muitos filmes da Disney.
Eu sinto falta de um vão pra me esconder também, mas boba que sou concentro minhas forças em te dizer o quanto estar contigo é preciso pra mim. 
É, eu realmente me concentro nisso, e digo e reafirmo para os seus amigos o quanto você é uma boa companhia, faço propaganda, houvesse dinheiro suficiente eu lançaria nos classificados uma nota dizendo o quanto você me faz feliz.
E faz sim, quando quer.
Mas você tem o melhor jeito de me fazer triste também.
Você me diz coisas que ficam rebatendo por meses dentro do meu peito, você faz com que eu me sinta mal porque gostar tanto devia trazer o mesmo tanto de reciprocidade.
Me arranca um pedaço priorizar e ver que lá longe, talvez, haja um buraquinho que me caiba.
Na sua agenda existe tempo pra mim?
De supetão, no meio de um livro, achei: você vai amar e valorizar aquilo onde está o seu tempo, o seu dinheiro e o seu sorriso. Ali estará o seu coração.
Sente aí o meu bater, sente aí nas suas mãos o quanto está doendo por um pouco caso qualquer bem típico seu.
É horroroso o modo como eu me moldo pra você, dizem que chama-se falta de amor próprio.
Eu? Não, eu me amo tanto, você sabe que amo, que me valorizo, que me cuido. 
Às vezes a gente diz tanto uma mentira que acaba acreditando nela.
Não é que você não me ame, não é que não me faça feliz, mas é que vai ver Lulu e sua fala de que toda forma de amar vale a pena não seja lei, existem formas mais delicadas e mais eficazes, pode apostar.
Custa me pegar no colo e dizer que sou o que lhe é reservado nesse mundo todo?
Dói né, orgulho de macho, sei lá, qualquer espaço medíocre que deve ter aí entre o pâncreas e o fígado.
Você poderia e deveria estar aqui, não por obrigação, mas por prazer. E em todo o caso, se não for assim, eu não sei pra quê todo esse sofrimento meu.
Diga que o lhe aprouver e me deixe voar, manca de uma asa, mas pronta pra ser amada, porque é só o que eu peço.
Estou errada, provavelmente estou sendo possessiva, ciumenta de querer tomar conta de algo que está longe do meu poder.
Eu deveria ter previsto isso, às vezes tudo parece tão clichê, como eu não adivinhei que eu estava errada?
Ah, desculpe, eu acabo sempre acreditando que vou olhar pra você e ver aquele brilho de olhos, e você vai me puxar pelo braço, me dizer coisas bestas no ouvido e me fazer dormir sorrindo.
E se eu disser tudo isso, será que alguém vai entender, que vai acreditar?
Acho que não, afinal, você é aquele menino maravilhoso que eu não canso de elogiar.
Melhor aquietar então.

(Ao som de: Um Girassol da cor do seu cabelo - Nenhum de Nós)
(Estou sumida, mas são tantas coisas, tantas...)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Que lugar ou não-lugar?



- Onde você vai quando está triste?
Ela quis dizer novamente a mesma coisa, que ia para os braços dele, mas ele não estava ali agora. E para onde ela iria?
Havia apenas um não-lugar que outros escritores já tinham descrito, e todos os lugares do mundo que em nada alteravam o seu estado, seu humor ou ainda o seu sorriso triste de Monalisa arrependida.
Sentou-se na pedra mais alta e o balanço do mar trouxe uma paz gostosa, as coisas iam e vinham-se mesmo, que aceitasse o movimento insano do mundo, tão diferente dos ciclos de rotação e transação que tinha aprendido na escola. Nem dava pra saber se aquilo era mesmo um ciclo ou uma reta ou outra forma geométrica, ela tinha fugido dessas aulas também para estar lá nos braços dele.
Na distração ela descobriu um bom lugar, um lugarzinho bem dentro de si, lá no escondido da memória onde ela conservava a pureza dos dias da infância e dos dias com ele, não tão infantis.
Quando caiu a primeira lágrima a tristeza começou a se dissolver, seria esse o remédio?
Chorando ela adentrou na própria história e cavou o mais rápido possível em busca de mais indícios da presença boa e reconfortante dele. Achou.
E o choro ganhou proporções devastadoras e mais tarde, bem mais tarde, ela entenderia que o lugar para onde ela ia quando estava triste era tão dela, tão dentro dela, que até nele ela o encontrava. Não era para os braços dele que ela ia sempre, era para dentro dela, ali naquele abraço tão bom com cheiro de chuva começando a cair em tarde de muito Sol.
E só mais tarde, quando entendesse que a causa e o remédio de tudo estava lá guardado bem debaixo do seu nariz, no peito de batidas inconstantes, ela poderia voltar para os braços antigos dele, e dizer sorrindo que ele não a fazia triste, nem feliz, nem nada.
Ele não a fazia, simplesmente.
Ela se fazia sozinha e com ele, se dividia, se completava, mas inteira.
Porque ela tinha finalmente compreendido a ideia boba de que para enxergar e aproveitar o mundo, as pessoas e tudo mais que ele lhe oferecer, é preciso estar bem ali dentro, é preciso conhecer o pedacinho que cabia somente a ela. 
E talvez nunca mais ela fosse triste, mas mesmo assim, ela voltaria ali sempre. Acredito que na verdade, ela passaria a morar ali.


(Texto para a Edição Musical do Bloínquês)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O que não foi ensinado


Ela descalçava as sandálias com a calma clássica que haviam lhe ensinado nos últimos dias, mas os laços que afrouxavam internamente insistiam em fugir do protocolo e ela segurava-se para não gritar, para não romper com toda aquela decoração perfeita, delicada e floral da qual fazia parte.
Refletia sobre o caminho que a trouxera até ali e não encontrava um vestígio sequer, um único modo de ter feito as coisas diferentes.
De longe ele a observava, era alucinador o silêncio no qual ela habitava durante todo o caminho, e ele a amava tanto que seria capaz de atirar contra o próprio pé para ver se algum ruído a movia de lá.
A desejara desde o primeiro instante, possuí-la valia mais do que qualquer outra coisa, ela, a filha de um qualquer que agora mostrava tanta compostura, ainda que mantivesse toda a brutalidade e força enterrada.
Revisando a memória novamente ele se deixou tomar e explodiu contra ela que apenas continuou imóvel, plácida.
- Me diga o que você quer, me faça trazer o universo para o seu lado, mas por favor, responda de algum modo.
Os olhos ao chão dela não consentiram ou calaram, apenas permaneceram pálidos.
- Quem é você que eu não conheço, que me desperta tanta coisa e que me faz perder os modos nobres?
Ela então o fitou.
- O que você quer que eu seja? Você me comprou. Diga, eu serei.
Era a primeira vez que ela lhe dirigia palavras assim, diretamente. E era novamente a menina que ele quisera com tamanha força, ela estava de volta e ele não poderia se arriscar a perdê-la.
- Eu não quero ser nada além de mim, de tal modo, eu não desejaria nada além do que você é. Não me enxergue com olhos tão cruéis, eu não sou o monstro que você pinta, você o sabe muito bem. Seja rude, grite e me ofenda, se jogue contra mim e me ame do modo como eu sei que você saberá fazer, porque você diferente de todas as outras é um fruto do amor, não da sociedade. Seja o que você quiser e queira ser minha. Não por ser seu dever como minha esposa, não por ser meu direito como seu marido. Mas por ser vontade do seu corpo de mulher. O que você quer?
Com o sangue pulsando de um jeito novo ela fitou os olhos negros e fortes dele, não mais sentindo-se vítima. 
E foi a primeira vez que ele viu a verdadeira cor que os olhos dela tinham.


(Pauta para a Edição Roteiro e Edição Musical do projeto Bloínquês)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Teve a leveza das pipas



Perder o chão é próprio da vida, como o movimento do mar,
como rio que precisa correr para não apodrecer.

E quando os fogos começaram ela se lembrou de pedir mais amor. Mais intensidade, se possível, mais loucura, pés pro alto e pulmão sem ar.
Ele estava ali do seu lado, como em todo o ano, como em todos os momentos ruins e foi por ele que ela pediu. Por aquele amor sereno que tinha a força e a solidez das pedras.
Só que quando o outro apareceu, tirou os pés do chão, aquele amor tão vento e tempestade, os olhos marejaram e ela quase afrouxara o laço de anos.
Quando o pedido se realizou de um modo estranho ela não conseguiu compreender e essa falta de jeito causou tanto medo, tanta vontade de que fosse ou que tivesse sido ou quem sabe outro tempo verbal que ela pudesse inventar.
Fechando os olhos ela sabia que a mão que a segurava era outra, e isso doía o peito, porque era injusto com aquele que lhe trouxera tanta paz.
Era injusto com os sonhos novos, com a superação que já havia chegado uma década atrás, era injusto com o futuro certo que ela começara a plantar em terreno fértil.
Não era mais uma adolescente, e será mesmo que teria forças para voltar a ser?
Todo aquele mundo louco, aquela inconstância, aquela 'parecência' desnecessária de defeitos e qualidades. Tão iguais e tão cientes.
Se nem a vida quisera daquele modo, algum motivo bem óbvio tinha.
Com o pezinho ainda no ar caminhou um pouco incerta e topou com uma nuvem onde sentou e pensou e pensou e pensou.
E chorou bastante, toda aquela chuva interna que se fazia necessária desde a última vez, o último beijo, e o pra sempre dentro de um quintal da infância.
Sacudiu a poeira e deixou o Sol baixar para voltar pra Terra.
Procurou ainda por tudo aquilo e viu que tomara lugar lá dentro da alma, um lugar tão dele que parecia ter habitado ali o tempo todo.
E finalmente conseguiu voltar a sorrir, voltar a sentir e a não mais ter medo, era um pedido realizado pra firmar mesmo aquele amor, não o antigo, o novo e o que merecia estar onde estava.
Tinha amor que não sabia ficar perto de quem ele amava, ela que superasse e procurasse fazer o melhor possível para não magoar aquele que sabia estar perto dela.
Sempre.


(A citação lá em cima é da Vanessa Leonardi, dona do lindo blog 'Caixa Mágica'. 2011 chegou com tanta força que eu acabei demorando pra vir até aqui... Estou com projetos novos para esse ano, incluindo um blog pessoal e um tumblr 'Inconveniência Aleatória', mas estarei muito mais aqui esse ano! Feliz ano novo a todos nós! Que seja novo e que saiba renovar o que não mais couber.)
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