quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Do segredo do amor


"Mas isso aqui meu senhor
É uma carta de amor"

Começou por acaso, dizem os escritores que assim se começam os belos romances. Dentro do livro emprestado da biblioteca da escola, capa esfolada e já meio desbotado, história antiga. Dentro de uma história de um amor que não dava certo e que se fazia vingar em morros uivantes estava a sua declaração de amor. Coisa sutil sabe, envelope rabiscado, caneta rosa e eu sabia que ali sim ia me encontrar, eu nessa vontade de dizer ao mundo coisas e guardar dentro de páginas.
A mãe ensinara desde menina que era uma terrível falta de educação violar correspondência alheia, além de ser crime e pecado, mas tinha como resistir a tamanha insistência pulando página por página, como marcando o passo do amor teimoso daqueles donos da história central do livro?
Perdia o foco e pairava imaginando o que poderia haver ali dentro do envelope.
Talvez houvesse um homem que tivesse partido para a guerra e deixado o livro emprestado com uma menina de interior, percebendo ela que ele não voltava colocou na tinta o coração e lacrou dentro do envelope, fechando para sempre o romance.
A imaginação fértil de adolescente viajava em uma carta de uma americana que viera ao Brasil conhecer as belezas de uma praia e vira-se enamorada de um vendedor de picolés que falava sorrindo e tocando.
Quem sabe ainda falasse de um amor que uma menina de quase catorze tinha por seu professor de ciências. Vai ver fosse a mais linda história de amor que já se escrevera, vai ver fosse urgente, seria, toda história de amor era para ontem, amor não sabia esperar calado, aguardando traças dentro de livro antigo. Amor era para ser vivido.
E lido.
Terminado o romance, indo até a biblioteca devolvê-lo, me pegava de tal forma apegada ao pedaço de papel contido dentro do envelope que lágrimas começavam a dançar teimosinhas dentro dos olhos escuros, emburrados pela falta de coragem de romper uma regra imposta sobre o que não lhe pertencia.
Tropeço e quase dou de cara com o chão, a carta ainda em mãos, o livro no meio da rua. Se deixara cair o livro é porque a história ali pairando nas minhas palmas valia a pena ser lida. Eu precisava disso, e se fosse o meu destino ser o pombo correio que levaria a correspondência e mostraria o amor a alguém já sem luz em vida?
Na calçada me joguei ignorando os que passavam, já chorava sem piedade sabendo do pecado cometido por mim rasgando o envelope e lá de dentro em papel dobrado com zelo brotou uma caligrafia firme, quase desenhada.
Suspiros. Era o amor escrito ali, letra por letra.
Meticulosamente abri e li.
E chorei, chorei e sorri. Sequei lágrimas e chorei de novo, tudo isso sentada na beirada pintada de branco da calçada da avenida principal.
Eu era uma menina que descobria o fundamental da vida, que mais poderia querer?
Havia apenas uma frase na carta sem endereço de remetente ou destinatário, que vos transcrevo:
'Se for amor mesmo não haverá regra que impeça de acontecer'.
Eu aprendera a lição mais fundamental sobre o amor amando, pasmem, um envelope e as possibilidades ali contidas. 
O que mais era o amor além disso?

Ao som de Cássia Eller - ECT

5 comentários:

  1. Aí lembrei das cartas que já escrevi, do tempo em que elas falavam por mim e pelo tanto que desejei sorrisos e lágrimas como respostas. Ah, o tempo..

    Charlie.

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  2. Ai que fofo *O*
    É assim que se aprende a amar, amando.

    oitenta meses? fiquei pasma e muito feliz. feliz por que o amor ainda existe. só não digo que é a relação mai longa que conheço porque meus bisavós foram CASADOS 73 anos. :)

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  3. O amor não é nada mais do uma inspiração para um texto lindo assim...=D

    beijinhos

    Nina

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  4. Que coisa mais linda *o*
    Sempre quis encontrar uma carta dentro de algum livro antigo. Acho isto tão lindo. E ficar imaginando quem escreveu a carta e para quem... ai ai :D

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  5. O que mais é o amor além disso? Se tiver que ser, haverá de ser, e nada mais! Tão simples quanto isso, mas que não é tão fácil de entender. E quem disse que precisamos entender o amor!? A sua beleza está nas coisas mais simples, como uma carta...
    adorei o texto! Adorei o teu blogue, vi ou teu trabalho no Bloínquês e gostei muito, estou seguindo.
    http://lorenna-almeida.blogspot.com/

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Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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