terça-feira, 11 de outubro de 2011

Da metade inteira


'E todo o abandono que eu sentia
Vai passar'

O frio ainda existia dentro de mim, bem mais do que externamente. As folhas enfeitavam o chão e aquele cenário parecia ter sido roubado de um filme americano em que o mocinho sempre salva tudo, aparecendo no final com um lindo ramo de flores campestres.
Mas não era a sua ausência que trazia o frio, eu não esperava por você, pela primeira vez em muito tempo, talvez até pela primeira vez na vida eu não esperava por ninguém.
Não havia necessidade de fixar os olhos no caminho, eu era o caminho agora, as minhas decisões, os meus receios e até os meus tombos. Decidira amar irremediavelmente mais uma vez, só que com o pouco de sensatez que sobrara daquela conversa derradeira eu olhei no fundo dos meus olhos e vi que eles brilhavam sozinhos também. Eles ainda tinham aquela cor que combinava bem com o outono lá fora, e se as árvores sobreviviam sem as folhas caídas, eu saberia encher tudo de vida outra vez.
Dizem que nós fazemos nossas escolhas antes mesmo de chegar na encruzilhada, eu não gostava dessas frases de senso comum, mas você escolheu me oferecer apenas uma chance desde o princípio, a de pular do trem. 
Era charmoso ver como seu humor se alterava diariamente, era encantador ter o desafio de te conquistar todo o tempo, de viver na linha, tentando não cambalear e atrapalhar o equilíbrio ensaiado. Até que tudo ruía e você fazia com que eu me sentisse um pedaço de nada, um nada inteiro era muito perto do que você colocava.
Todo o nosso amor desencatado, sem fadas madrinhas e sem felizes para sempre foi me cansando. Sabe, não te culpo. Quando a gente tem o caos por dentro não consegue oferecer paz pro outro. Triste é que eu não te pedia paz, eu já tinha isso pra mim, mas não sabia como te dar esse pouquinho de Sol da manhã sem que tivesse medo ao ver seus olhos abrirem. Eu desaprendi a conviver com a insegurança emocional porque, sabe Deus como, havia conquistado a minha estabilidade. Eu queria só que você fosse simples, jamais desejei perfeição.
Era amor e desamor demais para que eu fosse capaz de conceptualizar, sempre tive problemas com palavras opostas, gostava mesmo era dos sinônimos.
E amor não era. Tinha lido Caio Fernando demais ou assistido todas aquelas comédias românticas que você abusava. Eu tinha sido criada de outra forma. Tinha sido gente um dia e gente é querida.
Não me cabia desejar algo que me fazia mal, desculpe se pulei do barco, se disse não e te assombrei. Podia ter sido pior, podia ter jogado na cara, ter batido a porta ou rasgado o verbo. Mas eu apenas fugi.
Você pode estar em qualquer lugar acreditando que sou o que você quiser, fugir dá um ar de covardia para a coisa. Eu sinto o cheiro da liberdade, e ainda que não saiba ao certo, liberdade e covardia cheiram diferente.
O campo está lindo e eu não gostaria que você estivesse aqui para partilhar comigo essa memória. Me basta os pássaros, a grama, as folhas e todos os outros que passam por aqui. Deixe que eu me baste, porque tocar a própria mão e se deliciar por sentir a força necessária vinda dali é bárbaro.

Ao som de: As ruas de Outono - Ana Carolina
Texto para a edição visual do Projeto Bloínquês.

2 comentários:

Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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