terça-feira, 18 de outubro de 2011

Da incoerência que me cala


Dom Cícero*, Paraná ,25 de fevereiro de 2001.

Miguel,
Dez milhões de coisas passaram pela minha mente antes que eu começasse a tremer as mãos para te escrever. Tantas vezes eu comecei e desisti que nada garante que você abrirá o envelope e estarão lá dentro palavras minhas. É complicado quando não se sabe bem o que dizer.
Poderia mentir dizendo que sei bem o que fiz da minha vida e tenho convicção das minhas decisões, mas de que adiantaria? Soaria tão falso que nem a caneta se convenceria. Não sei de nada. Sinto tanto por isso.
Você partiu e então não consigo passar um dia sequer sem chorar, as fases chegam e me assombram, eu penso que te odeio por ter ido e me deixado aqui, pedaço de sonho quebrado no meio. Penso que te amo tanto e que por isso a dor que vem me sufoca e me lança ao chão. Nem as folhas que aí enfeitam a paisagem estão por aqui para que eu me jogue e peça ao vento para me cobrir delas. Ainda penso que tudo tem uma explicação e que as coisas são quanto têm de ser, mas me canso de filosofias bonitas e nada práticas.
O pior de tudo é saber que eu desatei o laço, eu te mandei embora, eu disse não para uma vida que planejamos juntos, calculamos e mais que isso, sonhamos.
Amor, sinto tanto. Nada foi de mentira, agora pode parecer absurdo te contar tudo isso e talvez o destino dessa carta também seja o lixo, mas eu jamais tive vontade de soltar sua mão. Sinto uma falta sem tamanho dela me apertando os dedos agora e há um buraco crescendo entre elas, vem me completar.
Tenho pesadelos que Paris te apresentará francesas lindas e dispostas a tornarem reais os planos que eu fiz para você. Os cafés que nós visitaríamos, as fotos enquanto a cidade anoitece e os beijos que não serão dados por mim.
Você leria para mim pela manhã enquanto o Sol começaria a clarear o quarto, o vento fazendo tamborilar a cortina branca da janela que apontaria para um muro, o nosso apartamento de estudantes decorado com ar retrô, discos de vinil servindo de prateleiras e porta-copos.
Vê? Sonhei sim, e sonho ainda. Sonho tanto, não há noite que não passe em claro e dia que não sonhe com você sorrindo e cantarolando meu nome com sotaque francês.
Queria te dizer que foi por falta de amor que larguei tudo, resolveria parte dos meus problemas e conflitos internos.
Há dentro de mim um espaço destinado às promessas que me fiz e que ainda não cumpri. Nunca é tarde ou madrugada para retirar tudo dessa caixa e jogar na minha cara que toda dor que vier é por infantilidade e medo bobo de ser feliz para sempre, você saberia me trazer isso.
Não foi falta de fé na possibilidade certeira do nosso sucesso juntos. Minhas promessas são medrosas, covardes, pode chamá-las para a briga se quiser. Mas por favor, não desista de tentar fazer cada uma delas tornarem-se eternas nas lembranças do que a gente viveu.
Prometi que Paris seria nosso lar e que nosso amor causaria inveja nas gárgulas de Notre-Dame, por favor, não deixe isso morrer.
Seria injusto da minha parte pedir para você confiar em tudo isso. Mas como não torcer fervorosamente para nosso amor vencer todos os devaneios tolos que me atormentam e não me deixam largar tudo aqui e ir atrás de você? Quero amar você sem precedentes, mesmo. Quero um filho seu, um sorriso seu de bom dia por todas as manhãs. Quero que você leia trechos dos meus romances favoritos e me diga que não existe história que valha um livro mais que a nossa. Quero que a nossa história continue sendo nossa, mas não posso prometer mais nada.
Não me encontro com credibilidade para pedir sequer que você leia tudo isso. Não sei de mim, não compreendo o medo de realizar o sonho de estar com você, ser dançarina de uma Escola séria e viver em Paris. Mas nem tudo é passível de compreensão nesse mundo, essa é a verdade que me salva da insanidade.
Por hora mon amour, peço até com vergonha porque sei que não tenho mais esse direito, me ajuda a ter coragem para realizar as promessas que ainda nos sobraram. Me ajuda a prometer tudo de novo e a realizar. Me promete Miguel que você nunca vai desistir de me fazer melhor, por favor...
No meu aniversário eu só queria a certeza de que existe em Paris um pedaço de mim esperando minha mão para acariciar os cabelos que aposto estão crescendo já.
Eu só queria que você acreditasse que prometido ou não, você será sempre o meu amor. Cumpra o que se cumprir.
Mon Amour.

Da sua pequena,
Lívia.

Texto escrito para a edição musical do Projeto Bloínquês.
Carta resposta desse texto aqui. Lívia e Miguel são os personagens centrais do romance 'Meus Pijamas em Paris?!' lançado por mim pela editora Biblioteca 24 Horas. Dom Cícero é uma cidade fictícia do estado do Paraná, criada para ser o cenário do romance.

2 comentários:

  1. Caramba, Taynná. Muito bom o texto. Parabéns :D

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  2. Espero, tão logo, me afundar nesse teu romance e só sair quando me sentir completamente parte de Lívia e Miguel. Porque já me vejo em certos desfechos de palavras tão doces, e tudo tem muita vida; e tudo tem muito amor.

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Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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